Arquivo da tag: Milan

O maior ponta artilheiro do Brasil

“Sou o maior atilheiro da história do Santos. O Pelé não conta, ele não é humano”. É assim que José Macia, o Pepe, gosta de se referir ao fato de ter marcado 405 gols com a camisa 11 do time da Vila Belmiro, o que o deixa atrás apenas do Rei na lista de maiores goleadores do clube. No entanto, se a comparação com Pelé é ingrata para qualquer atleta, o Canhão da Vila tem feitos admiráveis na história do futebol.

Lembre-se de grandes pontas que já passaram pelos campos brasileiros. Garrincha, Canhoteiro, Julinho Botelho, Zagallo, Jairzinho, Edu, Dorval… Nenhum dele chegou perto do número de tentos marcados por Pepe, o maior ponta artilheiro do país. Além dos mais de 400 marcados pelo Alvinegro Praiano, foram vinte pela seleção brasileira e 16 pela seleção paulista. Também é o atleta com maior número de títulos importantes no ludopédio tupiniquim: 51, entre eles nove Paulistas, cinco Taças Brasil, quatro Rio-São Paulo, duas LIbertadores, dois Mundiais Interclubes e duas Copas do Mundo (1958 e 1962). E também conta com um troféu Belfort Duarte, por conta do aspecto disciplinar. Em 16 anos de futebol, entre 1954 e 1969, todos eles jogados no Santos, Pepe jamais foi expulso.

Pepe estreou no Santos em 1954, quando um treinador estreante, vindo das categorias de base, Luis Alonso Peres, o Lula, começou a dar chances na equipe de cima para alguns atletas que conhecia bem. E Pepe era um deles, famoso pela velocidade e pela potência do chute que o marcara desde a época de amador no clube Continental, da gloriosa São Vicente. No ano seguinte de sua estreia, o jovem já entraria para a história do Santos.

O time da Vila Belmiro precisava vencer o Taubaté, em casa, para se sagrar campeão paulista. O Corinthians estava logo atrás na tabela, e a vontade com que o clube do Vale do Paraíba entrara em campo sugeriu uma senhora mala preta para os atletas da chamada Burra da Central. O empate em 1 a 1 até os 38 do segundo tempo não deixavam a torcida santista celebrar um título depois de vinte anos. Aí apareceu Pepe. Ele recebeu de Álvaro e, da meia-esquerda, disparou um petardo de esquerda, rasteiro, indefensável. Era o herói daquela conquista que daria início à era mais gloriosa do Santos. Pelé chegaria só em 1957 e entraria em um time já formado, bi-campeão, e que devia muito disso a José Macia.

Mas talvez o grande jogo de Pepe tenha sido a memorável virada propiciada por ele na segunda partida da final do Mundial Interclubes, em 1963. O Milan havia vencido o Alvinegro por 4 a 2 na ida e, na de volta, vencia por 2 a 0 até o intervalo. Sem Pelé e o capitão Zito, foi Pepe quem resolveu.

De um primeiro tempo com céu estrelado para uma torrencial chuva na segunda etapa. O Maracanã alagado, mesmo com 132 mil pessoas a favor do Santos, poderia ser a trincheira ideal para a forte defesa italiana com Maldini e Trapattoni. Mas não foi. A guerra começou a ser decidida com um petardo de Pepe, de falta, a 4 minutos. Aos 21, o Canhão voltou a funcionar e saía ali o quarto gol.

Menos de metade do segundo tempo e a base da seleção italiana, reforçada por Amarildo, o “possesso”, um dos heróis brasileiros de 1962, e Mazzolla, campeão do mundo em 1958, caía perante o Santos. Sem Pelé, sem Zito, sem Rildo, mas com Pepe, Almir, Coutinho, Lima…

E olha que Pepe quase não disputou a partida. Quem conta essa história é o próprio, que tive o prazer de entrevistar para a revista Fórum. E assim ele descreveu aquele momento decisivo para a história do Peixe:

Fórum O Santos sem Pelé, machucado, e você não ia jogar...

Pepe – A equipe precisava de mim, dos meus chutes e ele ia colocar o Batista, que jogava mais na armação. O Lula estaria preocupado porque o time do Milan era muito forte e ele queria fechar mais o meio. Quando o Dalmo me disse isso, falei: “vou dar um bico na bola e vou embora, vou pegar o primeiro trem”. Bem na hora da decisão com o Milan eu ia ficar de fora para entrar um jogador que nem é ofensivo?

Acabei ficando lá e quando deu 5 horas da tarde – o jogo era às 9¬–, fui chamado para um quarto da concentração. E lá estava o Lula, que me perguntou: “ô, ‘Bomba’, como é que tu está hoje?” Respondi: “estou bem, professor, pode contar comigo”. Acho que o Modesto Roma e o Nicolau Moran tiraram da cabeça dele a asneira que iria fazer, talvez, por conta daquela pontinha de vaidade. Aí joguei e, se eu não jogasse, realmente o resultado seria outro. Virei a partida, marquei o primeiro gol e aproveitei bem o campo molhado com meu chute forte, coisa que o Batista não tinha como aproveitar.

(A entrevista completa está aqui)

Já como técnico, Pepe foi o comandante do último título de Pelé no Santos, o Paulista de 1973. Foi autor de outra façanha ao dirigir a Inter de Limeira no primeiro título estadual de um clube do interior, transferindo-se no mesmo ano para o São Paulo e obtendo o campeonato brasileiro daquele ano. Apareceu bem ainda à frente da Portuguesa Santista em 2003, levando o time às semifinais do Paulista e revelando atletas como o volante Adriano, o atacante Rico e o meia Souza, que foram para o São Paulo logo em seguida.

No campo ou no banco, sempre campeão. E santista de alma. Neste dia 25 de dezembro, quando completa 74 anos, as sinceras homenagens do autor deste blogue e de toda a nação peixeira.

1 comentário

Arquivado em Ídolos, Década de 60, Década de 70, Década de 80, futebol, História, Santos, Século 21

Lula, o técnico super-campeão

Luis Alonso Perez, mais conhecido como Lula, provavelmente é o treinador que mais ganhou títulos no futebol mundial. Foi o comandante do grande Santos dos anos 60, e nenhum técnico no Brasil ficou tanto tempo à frente de um clube grande quanto ele. Permaneceu quase treze anos (mais precisamente, 12 anos e seis meses), entre 1954 e 1966. Nesse período, conquistou 4 Torneios Rio-São Paulo, 5 Taças Brasil, 8 campeonatos paulistas, 2 Libertadores da América e 2 Mundiais de Clubes, entre outros, totalizando 34 conquistas. Currículo pra ninguém botar defeito.

Em 1968, conseguiu outro feito, dessa vez comandando o Corinthians. Dirigiu a equipe na partida histórica em que a equipe paulistana superou o Santos no Campeonato Paulista por 2×0, após 11 anos sem conseguir uma vitória sobre o Peixe.

Conversando com Pepe a respeito do técnico, em uma entrevista da qual participei para a revista Fórum, o ex-ponta-esquerda falou a respeito de Lula. Confira abaixo o relato:

O triângulo inusitado

O Lula deve ser o treinador que tem mais títulos no mundo, ganhava tudo. A dificuldade que tinha era de se expressar. Uma vez ele chegou e disse em uma preleção: “vocês quatro do meio de campo fazem um triângulo”. Aí a gente falava “é difícil quatro fazerem um triângulo”; e ele retrucava “vocês, entenderam, vocês entenderam…”.

Era um time de feras e a maioria foi descoberta e criada pelo Lula, que tinha um olhar clínico muito bom. Antes dele as categorias de base eram muito fracas e não revelavam quase ninguém.

Escolhendo os melhores

Não era um excepcional estrategista, mas sabia, se dessem 50 jogadores para ele, escolher os 11 melhores. Sempre me lembro dele com muito carinho. Há algum tempo escrevi um texto em sua homenagem, intitulado “Ao Professor com Carinho”. Nós o chamávamos assim até com uma certa ironia, mas ele não deixava de ser um professor. E levava tudo numa boa.

A final de 1962

Ele era o paizão do grupo, todo mundo jogava por ele, que sabia fazer um ótimo ambiente. Mas tinha suas vaidades também. Anos depois, em 1962, o Santos foi campeão mundial, ganhando do Benfica em Portugal, e quando o Lula anunciou a escalação do time, que nem tinha sido treinado, ele tirou um dos melhores jogadores do time, o Mengálvio, e colocou o Lima no meio-campo. Mas a surpresa maior foi colocar o Olavo de lateral-direito, sendo que ele era zagueiro-central. Ganhamos de 5 a 2 e o Lula foi muito elogiado pelos jornais da época, mas o Olavo teve muita dificuldade para marcar o Simões, o ponta-esquerda do Benfica que era um excelente jogador. Com o Lima de lateral e Mengálvio de meia, íamos ganhar até de mais.

A partida contra o Milan em 1963

No ano seguinte, disputamos o Mundial com o Milan e aí tínhamos que ganhar no Maracanã, no Rio de Janeiro. Concentramos no estádio, inclusive foi o Santos quem inaugurou a concentração. Gostávamos de jogar no Rio porque em São Paulo não tínhamos torcida, os torcedores dos outros grandes não iam torcer para o Santos. Mas foi lá, na manhã do jogo, que o Dalmo chegou pra mim e disse que eu não ia jogar. Daquela vez ia sobrar pra mim…

A equipe precisava de mim, dos meus chutes e ele ia colocar o Batista, que jogava mais na armação. O Lula estaria preocupado porque o time do Milan era muito forte e ele queria fechar mais o meio. Quando o Dalmo me disse isso, falei: “vou dar um bico na bola e vou embora, vou pegar o primeiro trem”. Bem na hora da decisão com o Milan eu ia ficar de fora para entrar um jogador que nem é ofensivo?

Acabei ficando lá e quando deu 5 horas da tarde – o jogo era às 9¬–, fui chamado para um quarto da concentração. E lá estava o Lula, que me perguntou: “ô, ‘Bomba’, como é que tu está hoje?” Respondi: “estou bem, professor, pode contar comigo”. Acho que o Modesto Roma e o Nicolau Moran tiraram da cabeça dele a asneira que iria fazer, talvez, por conta daquela pontinha de vaidade. Aí joguei e, se eu não jogasse, realmente o resultado seria outro. Virei a partida, marquei o primeiro gol e aproveitei bem o campo molhado com meu chute forte, coisa que o Batista não tinha como aproveitar.

7 Comentários

Arquivado em Ídolos, Década de 50, Década de 60