Em quase qualquer comparação do Rei do futebol, em termos de números em especial, com jogadores geniais, o camisa 10 leva ampla vantagem
O atacante português Cristiano Ronaldo conseguiu três feitos hoje na decisão da Liga dos Campeões da Europa contra a Juventus. Além de se sagrar campeão continental pelo Real Madrid mais uma vez, com os dois gols tornou-se novamente artilheiro da competição, e marcou o gol 600 de sua carreira. Isso aos 32 anos e quase três meses, que serão completados daqui a dois dias.
Uma coincidência em relação ao Rei do futebol. Pelé chegou ao seu gol 600 também em uma decisão de torneio continental. Foi em 11 de setembro de 1963, quando marcou o segundo tento santista na vitória do Peixe contra o Boca Juniors, em La Bombonera, em um clima brutalmente hostil. Nas arquibancadas, os torcedores argentinos gritavam “Pelé, hijo de puta, macaquito de Brasil”, buscando desestabilizar o craque. A vitória assegurou para o Alvinegro Praiano seu segundo título na Libertadores.
O camisa Dez chegou a esse feito com 22 anos e 11 meses. Lembrando que, àquela altura, já tinha participado da maior conquista do futebol brasileiro até então, a primeira Copa do Mundo da seleção, em 1958. Diferentemente de outros jogadores de 17 anos tidos como craques ou fenômenos, Pelé não esquentou só o banco naquele Mundial, sendo protagonista e fazendo gols decisivos para o primeiro título do Brasil. E olha que não era pouca pressão por essa taça não…
Não é à toa que Rei só tem um. E que, como canta a torcida santista, “mil gols, só Pelé”…
Há exatos 45 anos, em um dia 11 de setembro, o Santos tornava-se bicampeão da Libertadores da América. Uma conquista com sabor especial, já que foi conseguida em plena La Bombonera, sobre o Boca Juniors, com toda sorte de pressão sobre os atletas alvinegros. Foi, até o Fluminense desclassificar a equipe argentina nas semifinais da competição este ano, o único clube nacional a superar os xeneizes no torneio mais importante da América do Sul.
À época, participavam da Libertadores somente os campeões de oito países sul-americanos (Bolívia e Venezuela não tinham representantes). Como o Santos tinha sido campeão da edição anterior, tinha vaga garantida e entrava nas semifinais. Campeão da Taça Brasil em 1962, cedeu a vaga a que o país tinha direito para o Botafogo de Garrincha.
Dois grupos de três times e mais um de dois fizeram a primeira fase. Para as semis, passaram Boca, Botafogo e Peñarol. Uruguaios e argentinos fizeram duas partidas, com vitórias do Boca em Montevidéu (2 a 1) e em Buenos Aires (1 a 0). Pela primeira vez o Peñarol ficava de fora de uma final da competição, já que havia sido campeão em 1960 e 1961, e vice em 1962, sendo superado pelo Peixe.
O Santos enfrentou o Botafogo, e empatou em 1 a 1 o primeiro jogo disputado no Pacaembu, em São Paulo. Os cariocas contavam com um senhor esquadrão e jogadores da estirpe de um Nílton Santos, Garrincha, Quarentinha, Amarildo e Zagallo. Mas o Santos… era o Santos. Na Taça Brasil, o time peixeiro tinha vencido os cariocas por 4 a 2 no Pacaembu e perdido por 3 a 1 no Maracanã. No jogo desempate, um massacre que a imprensa carioca classificou como a maior exibição de uma equipe de futebol até então no mítico Maraca. Com dois gols de Pelé, outros três de Dorval, Coutinho e Pepe, o 5 a 0 calou fundo na alma da equipe que pretendia ser a melhor do país.
Na Libertadores, os botafoguenses queriam vingança. Na primeira partida, 1 a 1 renhido, com o Peixe desfalcado de Pepe e Mengálvio. O ponta voltaria na partida de volta no Maracanã onde de novo o Santos conseguiria impor seu futebol. Outra goleada, 4 a 0, com três gols de Pelé e um de Lima.
Contra o Boca, a parada seria dura. Mas até não parecia depois do fim do primeiro tempo no Maracanã. O Santos vencia por 3 a 0, dois gols de Coutinho e um de Lima. Mas a equipe quis administrar e sofreu dois gols na segunda etapa. A propósito, o jornalista argentino Bernardo Neustadt faz aqui uma crônica/análise interessante daquele jogo, que ele acompanhou in loco. A tática do Boca no primeiro tempo era não fazer marcação individual em Pelé, mas sim anular seus “alimentadores”, principalmente Coutinho e o jovem coringa Lima, de 18 anos, que o jornalista diz que “atua no meio de campo como se tivesse nascido ali”. A avaliação dele era que os argentinos não tinham agredido suficientemente o Peixe, deixando não apenas Lima, mas Zito avançar e criar. De fato, era difícil parar o Alvinegro…
A decisão no La Bombonera prometia. Foram 50 mil argentinos até o estádio que tinha um campo com dimensões menores do que a Vila Belmiro. O Boca pressionou desde o início, abusando da violência para deter o forte ataque alvinegro, como se pode ver no vídeo acima em algumas jogadas envolvendo Pelé. O dez santista, aliás, foi saudado com um coro ofensivo e de cunho racista que dizia “Pelé, hijo de puta, macaquito de Brasi”. Como não havia cartão amarelo e vermelho (a expulsão era feita de forma direta), os brasileiros sofriam para jogar.
A um minuto da segunda etapa, Sanfilippo marcou o gol xeneize. Uma explosão no estádio e parecia que o Santos iria sucumbir. Mas, apenas quatro minutos depois, Coutinho empatou, após uma falha na reposição de bola de Errea e uma troca rápida de passes entre Dorval, Pelé e o centroavante. Mais pressão portenha até a bola chegar em Pelé. Ele driblou o brasileiro Orlando Peçanha e finalizou de biquinho no canto direito, aos 37 minutos. O Alvinegro calava o estádio e sagrava-se bicampeão da Libertadores.
Segundo Odir Cunha no livro Time dos Sonhos, que nutriu boa parte desse texto, o jornal O Estado de S.Paulo apontou dois pênaltis de Rattin não marcados pelo árbitro: um em uma entrada maldosa em Pelé e outro quando tirou a bola com a mão que sobraria para Coutinho. Ainda assim, o Santos foi maior. E, de novo, fazia história.
11 de setembro de 1963
Boca Juniors 1 X 2 Santos
Boca Juniors – Errea; Magdalena, Orlando e Simeone; Silveira e Rattin; Grillo, Rojas, Menéndez, Sanfilippo e González. Técnico: Aristóbulo Deambrosi.
Santos – Gilmar; Mauro, Calvet e Dalmo; Zito e Geraldino; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula.
Gols: Sanfilippo, aos 46; Coutinho, aos 50; Pelé, aos 82.