Sou “menino da fila”. No período da minha infância e adolescência, anos 80 e 90, o Santos mal chegava em finais e nestas duas décadas houve só um título, o Paulista de 84, relevante. O resto foi sofrimento e tiração de sarro contínua de rivais, ainda mais morando na Baixada, onde para muitos o Peixe é o inimigo número 1.
Mas no século 21 as coisas mudaram e chegar em decisões voltou a ser rotina, como nunca deveria ter deixado de ser para um clube monumental como o Alvinegro Praiano. Alguns dos nosso principais adversários, aliás, passaram a ter uma rotina inversa, com finais se tornando um evento raro para eles. Vencemos várias vezes, e também perdemos algumas. A derrota na final da Copa do Brasil, por um lado, faz parte desse contexto, e não deve nos deixar tão tristes. Por outro, leva a necessárias reflexões.
Em geral, mídia e torcedores justificam as derrotas de três formas, basicamente: 1 – faltou raça, garra; 2 – colocam a culpa em um ou mais jogadores; 3 – quem perdeu o título foi o técnico. Fazendo sempre esse tipo de análise, às vezes não se chega ao fundamental, aquele tal do planejamento, que envolve muitos fatores e é algo muito mais complexo.
Sim, as situações de jogo também devem ser analisadas. Mas é preciso tomar cuidado porque, quando uma equipe joga mal, sempre vai aparecer alguém dizendo que faltou brio. Afinal, é justamente essa a impressão que dá, mesmo que não seja verdade. O Santos não jogou bem ontem, e o Palmeiras, vendo friamente, tampouco. Não dominou de fato os visitantes em quase nenhum momento, mesmo tendo aberto 2 a 0, abusaram dos chutões e da ligação direta, e na base da insistência – e nos erros de um time que sofreu a perda de três atletas no decorrer da partida – chegou à vantagem.
O que dói, obviamente, é saber que o Alvinegro tinha um time titular tecnicamente melhor, e mostrou isso na primeira partida. Venceu por um a zero, perdeu um pênalti, um gol feito (poxa, Nílson…) e inúmeras outras chances de matar o torneio já naquela ocasião. Quando não foi efetivo (e isso, infelizmente, acontece não só conosco, mas com qualquer time), jogou tudo para a peleja da Allianz Arena. E, nesse contexto, era crível acontecer o que aconteceu.
Culpa do Dorival?
Em quase nenhum momento ontem o Santos utilizou a estratégia que o levou até a final da Copa do Brasil: marcação-pressão no campo do adversário, com retomada rápida da bola no meio de campo. O meio e o ataque também tiveram menos mobilidade que nas partidas realizadas durante o período em que Dorival assumiu o Peixe, mas talvez a explicação seja simples: o time não aguentou o desgaste físico da temporada.
“Ah, mas o Palmeiras fez o mesmo número de jogos do Santos.” Não é bem verdade. Além de ter tido uma trajetória mais fácil no início da competição em que o Peixe não consegue eliminar partidas de volta, o Alviverde ficou sem chances reais de entrar no G4 muito antes do Alvinegro. Ou seja, o mau desempenho no Brasileiro acabou “poupando” naturalmente os seus jogadores. Outro ponto é que a equipe de São Paulo não enfrentou o desgaste – físico e também mental, diga-se – de ter de fugir da zona do rebaixamento, o que exigiu muito dos atletas santistas.
Também é preciso considerar que o esquema implantado por Dorival, onde a marcação começa no ataque e os volantes e laterais participam ativamente no campo ofensivo, exige demais dos atletas. Em outros times não é assim, mas foi dessa forma que o Santos aprimorou a parte tática, que não existia no primeiro semestre, e se tornou um time de fato na temporada, e não um “catado”, como aquele que vinha atuando desde o Paulista. Jogar bem exige demais do corpo e da mente, vide as equipes do Corinthians armadas por Tite.
Colocando nessa conta o fato de ter jogadores constantemente convocados para as seleções principal (Lucas Lima e Ricardo Oliveira) e olímpica (Gabriel e Zeca) traz uma carga a mais de desgaste para esses atletas. O resultado de todos esses fatores somados se viu em campo na noite de quarta: o time perdeu três jogadores por lesão e outros, como Renato, chegaram a sentir durante a partida. Era um time esgotado e os exames médicos já deviam mostrar isso. Daí a opção de Dorival pela Copa do Brasil, que dava um título e uma vaga direta à fase de grupos, diferentemente do G4 do Brasileiro. Quase não foi uma opção, mas uma necessidade, lembrando que o time chegou a desperdiçar pontos mesmo com a formação titular, caso do empate com o Flamengo na Vila.
O que se pode questionar, e muito, foi a opção da diretoria de liderar um movimento para adiar a decisão do torneio, inicialmente planejada para os dias 4 e 25 de novembro. Deu mais tempo para o desentrosado Palmeiras e desperdiçou a chance de jogar a primeira partida quando o Peixe estava no auge da forma técnica.

Gabriel, “recuperado” por Dorival Júnior, pode ter um grande ano de 2016 (Ricardo Saibun/ Santos FC)
E o planejamento do Santos?
Mais do que utilizar o time reserva, parte da derrocada peixeira na reta final do Brasileiro se deveu a não ter jogadores com qualidade para suprir a ausência dos titulares. Nesse aspecto, o Palmeiras, apesar de não ser um time dos sonhos, tinha um elenco mais homogêneo, a exemplo do Cruzeiro de 2013/2014, sofrendo menos com as perdas do que o Alvinegro. Basta ver que dois dos reservas que entraram em campo ontem, Werley e Paulo Ricardo, são jogadores duramente questionados pela torcida.
Assim, o que faltou mesmo foi a montagem de um elenco mais equilibrado e com opções. Dorival Júnior não participou desse processo, “herdou” atletas com os quais provavelmente não gostaria de contar e teve pouquíssimas alternativas. Mais um motivo para poupar os titulares. Foi um planejamento anterior equivocado do clube, que, embora limitado no aspecto financeiro, poderia contar com atletas de nível melhor se tivesse contado com um técnico de fato meses antes do atual assumir.
O problema do Peixe e de quase todos os times no Brasil é que o desempenho do clube depende quase exclusivamente de um técnico. Não há diretores que deem o suporte e a base necessários para quem está no banco trabalhar com foco maior no trabalho de campo, tendo ele que desempenhar diversas outras funções. Se não fosse Dorival, talvez estaríamos na zona intermediária do Brasileiro e já teríamos saído fora da Copa do Brasil no duelo contra o Sport. Sofrer por ter perdido num nível mais alto é muito mais saudável, convenhamos.
Agora é mirar 2016. Perder faz parte do esporte e, como foi para muitos “meninos da fila” como eu, molda o caráter. É preciso mirar mais as ações da diretoria, não só na contratação e manutenção de jogadores, mas também na área financeira, de marketing, captação de receitas, entre outras fundamentais para a sustentabilidade do clube. É exigir mais de quem tem mais poder e apoiar quem entrar em campo. Temos titulares, é preciso mantê-los e elevar a qualidade do banco. O ano que vem promete.